Festas da Santa Cruz – Aldeia da Venda

2.º fim de semana de maio

A festa da Santa Cruz em Aldeia da Venda, é uma tradição secular, cujas especificidades foram transmitidas de geração em geração. Tradição cultural específica inicialmente das freguesias de Santiago Maior e Capelins, realiza-se ininterruptamente até aos dias de hoje apenas na Aldeia da Venda.

Realizada no segundo fim-de-semana de Maio, o mês em que alegadamente, no dia 3, foi encontrada a Cruz de Cristo, mandada procurar por Santa Helena, mãe de Constantino, no Monte das Oliveiras onde Cristo foi crucificado.

Trata-se de uma manifestação cultural que é entendida como a representação da salvação de uma pecadora (Maria Madalena) que segue Jesus no caminho para o Calvário.

Maria Madalena, uma pecadora que ao ver Jesus ser condenado e arrastar-se na caminhada para a crucificação, que se realiza no chamado Horto das Oliveiras também designado por Monte das Oliveiras, lhe limpa o rosto ensanguentado quando este cai com o peso da cruz que carrega e é agredido pelos Judeus. Ao limpar-lhe o rosto na sua toalha fica marcado o rosto de Jesus. Comovida, vê nisso uma prova que Jesus lhe deixa e arrependendo-se de todos os seus pecados decide pedir perdão pelos mesmos. Maria Madalena ou (Madanela), como lhe chamamos, era uma mulher que vivia amargurada, pecadora, que se vestia de preto e usava seus cabelos despenteados em sinal de tristeza e desapego pela vida. É nesta peregrinação para o Calvário onde vai pedir perdão que Madanela ostenta a toalha onde figura o rosto de Jesus Cristo.
O tradicional Cântico ao Hôrto das Oliveiras é composto por 14 raparigas e 12 rapazes. As raparigas dividem-se em dois grupos de 7 os quais são compostos um pela Mordoma, 2 madrinhas e 4 cantadeiras, e outro Madanela, 2 madrinhas e 4 cantadeiras.

Segundo as antigas mestras, as cantadeiras e as madrinhas simbolizam os 12 apóstolos de Jesus, vestem-se de branco, usam grinalda e ouro, símbolos de pureza, imitando as vestes dos apóstolos.

Só a Madanela veste de negro com cabelos soltos e ostentando a sobriedade e descrição até nas jóias que são todas de prata.

Os 12 rapazes vestem-se de cor escura e ostentam as armas que enquanto festa pagã seriam símbolo da sua virilidade e posteriormente tiveram função de defesa e segurança, uma vez que tanto a Cruz como as raparigas são enfeitadas com ouro.

A Cruz, transportada pela Mordoma, expoente máximo do cântico, apresenta-se como Jesus Cisto que tem o poder de conceder o perdão e de purificar os pecadores. É enfeitada com tecido e tule brancos sobre os quais são colocados elementos de ouro (fios, pendentes, brincos, pregadeiras, etc.) que hoje já não são de ouro, mas que o eram até acerca de 15 anos. Este ouro que enfeitava a Cruz pertencia aos habitantes de toda a Aldeia. Segundo testemunhos antigos até os ourives que iam à festa fazer negócio emprestavam ouro para enfeitar a Cruz.

O Sudário, transportado pela Madanela, lenço branco bordado à mão, no qual se encontra a imagem de Jesus coroado de espinhos é enfeitado à volta desta imagem com fitas de seda ou cetim de cor preta e roxa.

Tanto de um lado como de outro, o Cântico é ainda acompanhado por crianças que transportam bandeiras e por crianças que se vestem de anjinhos. As crianças representam a pureza indo também vestidas de branco, as bandeiras representam os pendões dos apóstolos e os anjinhos atiram pétalas de flores a quem passa. 

Todo o recinto da festa, todos os locais por onde passa o cortejo é enfeitado com rosmaninho que com o seu odor muito característico tornam única toda a envolvente. Tanto o local onde se realiza o encontro como as portas das casas de onde saem a Mordoma, a Madanela e a Casa da Cruz são enfeitadas com folhas de palmeira e flores do campo.

A porta da Casa da Cruz é enfeitada com folhas de palmeira e decorada com flores de cor garrida e alegre enquanto a porta da casa de onde sai a Madanela é enfeitada com folhas de palmeira e flores de cores sóbrias.

A Casa da Cruz, local essencial desta tradição tem actualmente um local próprio. Situada na parte mais alta da aldeia, onde desde sempre foi o ponto de partida para a Mordoma. Durante muitos anos a Casa da Cruz era montada anualmente na casa de um particular que gentilmente a cedia para esse efeito.

É enfeitada com um “céu” de tecido branco, todo trabalhado à mão onde são colocadas estrelinhas. As paredes são forradas com colchas (gentilmente oferecidas por particulares), as quais são cozidas ao céu, sendo depois enfeitadas com representações de santos, laços de fita pintados e almofadas bordadas.

O altar fica situado em frente à porta, decorado com representações de santos e flores, onde são colocadas mesas forradas e enfeitadas com laços e fitas, colchas e toalhas antigas bordadas, emprestadas pelos particulares. 

É enfeitada uma mesa que é colocada no centro do encontro, junto à qual ambos os grupos ajoelham, onde é feito o Beijar da Cruz e feita a troca desta pelo Santo Sudário. Esta é enfeitada de cores diferentes em cada um dos lados.

A forma de enfeitar quer a casa da Cruz, o Sudário e a Cruz foram transmitidas e ensinadas pelas sucessivas mestras, seguindo algumas regras para que no final o resultado seja perfeito.

O Encontro, local que simboliza o Calvário, é constituído por mastros enfeitados com folhas verdes dá árvore a que se chama «chopo» e flores de cores garridas nos mastros do lado da Mordoma e cores sóbrias nos mastros do lado da Madanela, são colocadas por cima bandeirinhas de cores garridas.

O Cântico é cantado em tom de voz muito agudo, com pausas e sons de pandeiretas e de tiros.

O grupo da Mordoma sai da “Casa da Cruz”, em direcção ao encontro enquanto o grupo da Madanela sai da casa de um particular que todos anos a empresta para este efeito e que se situa no lado oposto da aldeia.

O momento crucial do cântico é designado de “Encontro” quando os grupos, o da Mordoma, que vem da parte mais alta da aldeia transportando a Cruz e o da Madanela, que vem da parte mais baixa da aldeia ostentando o Santo Sudário, se encontram frente ao altar e se procede ao “Beijar da Cruz”, à troca da Cruz pelo Santo Sudário, entre Mordoma e Madanela.

O Beijar da Cruz simboliza a absolvição dos pecados da Madanela após a qual, já sem pecados e purificada pelo poder da Cruz, pode então levantá-la e transportar a Cruz de volta.

No final do encontro e após a troca dos elementos, os dois grupos unem-se e regressam à Casa da Cruz.

Pelo caminho vão cantando, alternadamente, as cantadeiras da Mordoma e Madanela até chegarem junto à porta da “Casa da Cruz”.

Antes de entrarem para a casa da Cruz são cantados os martírios, que traduzem todo o percurso e sofrimento de Jesus até à crucificação. Os martírios do Senhor são cantados em conjunto pelos dois grupos de cantadeiras iniciando as cantadeiras da Madanela e a segunda parte sendo cantada pelas cantadeiras da Mordoma. Revelam o sofrimento do corpo de Jesus e o motivo pelo qual ele se sujeitou a tal sofrimento, ou seja, a salvação dos pecados dos que nele crêem.

No final a Mordoma e a Madanela junto da porta da “Casa da Cruz”, levantam bem alto a Cruz e o Santo Sudário para que toda a população os veja antes da entrada na Casa da Cruz e  terminar o Cântico.

No dia seguinte (segundo dia de festa) é feita a Entrega da Cruz, que significa a recolha da Cruz pela Mordoma que fica por ela responsável até ao ano seguinte.

O percurso é feito saindo da Casa da Cruz até à casa da Mordoma, seja qual for a zona da aldeia em que se situe desde que não exceda os seus limites.

Na Entrega da Cruz os dois grupos seguem em conjunto indo na primeira fila a Mordoma e suas Madrinhas, na segunda a Madanela e suas Madrinhas seguidas pelas cantadeiras da Mordoma e por fim as cantadeiras da Madanela. São igualmente acompanhadas pelos respectivos Atiradores. A Cruz ficará à guarda da Mordoma e o Sudário à guarda da Madanela até ao ano seguinte, sendo estas responsáveis pela sua conservação devendo proceder à sua limpeza de forma a garantir que no dia da festa ambos os símbolos estejam devidamente limpos e imaculáveis para a sua realização.

A responsabilidade de organização das festividades pertence ao Centro de Cultura e Recreio de Aldeia da Venda.